Sou poeta, escritora, produtora cultural, funcionária pública, arte-educadora, graduanda do 8º semestre de Licenciatura em Pedagogia e mãe.
O gosto pela literatura se fez presente na minha família, muito incentivado pelo meu pai, que era um grande comprador de livros. Nas estantes da nossa sala, havia desde os clássicos da literatura universal, como as fábulas dos irmãos Grimm e os contos de Alexandre Dumas e Tolstói, até histórias da Bíblia para crianças, passando por pequenas e grandes enciclopédias de conhecimento geral e literatura brasileira.
Tornei-me uma leitora ávida muito cedo, e no início da adolescência me descobri na escrita poética. Eu me exercitava com versos soltos, pequenos poemas e alguns sonetos inspirados nos romances que eu lia. Aos 16 anos, com a perda do meu pai, parei de escrever. Durante muitos anos fugi do sentimento de luto e da escrita ao mesmo tempo. Voltei a escrever aos 34 anos, como último recurso para tentar sair de uma crise depressiva que já durava dois anos. Eu escrevi por necessidade e desde então a poesia tem me salvado. Em 2018, comecei a estruturar melhor meus poemas, que se tornaram mais críticos e mais longos, com um formato parecido com os apresentados em rodas de slam. Ainda assim, não me imaginava compartilhando meus poemas publicamente. Escrever me bastava, ou, pelo menos, eu acreditava nisso. Eu acompanhava os slams de Porto Alegre pelas redes sociais e não me via declamando num espaço como aqueles. Em 2019 comecei a declamar em público num projeto chamado Sarau do Sol e da Lua, que acontecia semanalmente no Campus do IFRS em Alvorada, onde ingressei na Pedagogia. Ali fui me acostumando com o exercício de exposição que é compartilhar-me em forma de poesia e descobri que meus sentimentos podem tocar intensamente o coração de quem me ouve e comecei a dimensionar o peso das minhas palavras quando postas no mundo. Já não me bastava escrever. Escrevendo eu salvei a mim mesma, declamando percebi que todos podemos ser salvos pela poesia que nos toca, seja ela um afago no peito ou o fio de uma navalha na garganta.
Quando competi pela primeira vez na primeira edição do Slam do Vida, não imaginava que seria a primeira de muitas. Na verdade, a competição é pra mim, um pretexto para nós reunirmos neste exercício de escuta e acolhimento que costuma ser o Slam.
Lembro que estive na Alvo poucos dias depois de vencer esta primeira edição do Slam do Vida, em julho de 2022, e ao ser questionada pelo Fidelix em tom de brincadeira: “E aí, Karin, o que mudou na sua vida desde que venceu o Slam?”, me deparei com uma resposta que incluía ter sido chamada a assumir um cargo de concurso público, ter um projeto cultural aprovado para captação de recursos junto ao governo estadual, ter conhecido alguns poetas cujas palavras ecoam em mim até hoje, e o principal, estava finalmente, depois de longos anos de sofrimento, curando-me emocionalmente. O Slam do Vida, aqui, faz jus ao nome que leva, salvou a minha mais de uma vez. Hoje mantenho próximos os afetos que o Slam e a poesia me trouxeram, e sou grata, por ter iniciado minha trajetória num espaço que segue sendo acolhedor, e imensamente afetuoso, onde minha emoção transborda sempre.
Como minha rede de afetos costuma me acompanhar nas edições do Slam do Vida, não poderia encerrar sem mencionar as pessoas cujas vidas foram transformadas através de nossa presença aqui. Tornaram-se poetas minhas sobrinhas Duda (a chorona, rsrs) e Gika, minha filha Carolina, e o melhor amigo das meninas, o Kauã. Vida longa ao Slam do Vida!!!
Vida longa a Alvo Cultural. Poesia salva, poesia cura.
Karin Santiago, amante da palavra e da justiça. Mar de afeto e resistência
preta pra limpar
mulata pra trepar
branca pra casar
marcas entre leves e pesadas
quilos de alegria
e lágrimas de tonelada
há três gerações
estávamos sendo escravizadas
o tempo ensina
que a gente é escolhida pra ser usada
preterida e
hipersexualizada
e que o amor não cruza a nossa jornada
a gente vive com o coração quebrado
mantendo o passo firme, já acostumado
a ter o choro público, porém ignorado
não se olha no espelho
pro reflexo não ficar incomodado
e chora no chuveiro
pro filho não ficar preocupado
disfarça olheiras, hematomas
e crises de ansiedade
esconde a dor com uma máscara
e sangra quando se mostra de verdade
mas preta,
flores de resistência
brotaram do teu íntimo
e apesar do esforço, tu seguiu
tu é uma mulher segura
porque se refez
e aprendeu a dominar o poder da cura
nada nem ninguém é mais forte que tu
por se perdoar, e se acolher
e por finalmente aprender
que boas escolhas também vão doer
BOAS ESCOLHAS TAMBÉM VÃO DOER
não é a vida que define quem tu vai ser
é tudo sobre o que tu faz com ela
e quem tá contigo pra te fortalecer
quem te arranca risos de fazer a barriga doer
e quem chora contigo quando te vê sofrer
e ô menina mulher da pele preta,
tu, que persegue um sonho tendo como ferramenta
o coração, a coragem e uma caneta
Eu ouvi e repito:
Fica viva, preta!
Fica viva, preta!
Fica viva, preta!
eu fiquei viva
fiz do meu caderno livro sagrado
criei meu paraíso particular
e assumi que EU sou o único deos que eu preciso cultuar
agora eu tenho pressa!
em viver o tempo que tenho pra gastar
assumir meu poder e entender no mundo,
qual é meu lugar
em oração eu peço
que não me falte apoio pra seguir meu caminho
nem flores pra compensar os espinhos
que seja firme cada passo dado
e que se torne leve o fardo tão pesado
que meu coração esteja sempre aberto
que ele me ensine que fazer o bem é melhor do que fazer o certo
e que ele espalhe a palavra
de que o que importa são os afetos
que eu confie na importância de sonhar
que o amor conduza o meu caminhar
e que eu seja
meu próprio motivo pra continuar
eu louvo a minha vida
aos afetos que semeei pelo caminho
por poder sentir poesia
e manter perto os meus carinhos
ainda que eu agradeça
por meu caminho ter cruzado com o da Alvo
e ao Slam do Vida
por ter me salvo
esse poema é uma ode à minha sobrevivência
por reconhecer minha potência
e transformar sonhos em planos com excelência
esse poema é uma louvação a minha presença
meu corpo aqui é meu grande ato de resistência!
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